terça-feira, 15 de novembro de 2011

«O ADN de um solitário» - Artigo do jornal i


Artigo de dia 12 de Novembro de 2011 no jornal i, assinado por Diana Garrido. Seguem-se as duas folhas em miniatura, carregue-se nos links por baixo de cada imagem para se ver em resolução grande. Publicadas no blog com a devida autorização do jornal.




segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Murakami em dose tripla no P3!


O toque de Murakami
por Maria João Lourenço, publicado no P3 a 7 de Novembro de 2011.

Aos jovens, Haruki Murakami toca-lhes na corda sensível, primeiro que tudo. O resto vem depois. É como interpreto, numa primeira leitura, a ternura com que pegam nos livros, sopesando um calhamaço como "Crónica do Pássaro de Corda" ou revirando entre os dedos o pequeno volume de "Sputnik, Meu Amor". Vejo-os todos os anos, na Feira do Livro, aproveitando a oportunidade (leve quatro, pague três...), e sei do que falo porque aproveito muitas vezes para conversar com eles. Depois, acontece que os vejo por vezes enquanto lêem, ensimesmados, indiferentes aos olhares. Sigo ainda o que escrevem nos blogues. 

Murakami toca-lhes fundo. De forma inteligente, sem paternalismo e com humor. Quando fala da ternura e do sexo. Da vida em família e da camaradagem (ou da ausência dela) na escola. Da cumplicidade e da estranheza das ligações que se vão estabelecendo... ah, só o tema das chamadas telefónicas dava para um artigo. Da solidão. Da violência. Peguem em Kafka, o de Murakami, claro, Tamura de seu nome. Juntem-lhe Johnnie Walker (atenção, não beber o sangue). Sabiam que há uma página do MySpace criada por João Tamura? Onde terá o jovem ido buscar o apelido? O mundo é um sítio violento, Murakami sabe disso, mas nos seus romances interioriza a violência e trata esse tema com uma estranha e desarmante candura: quem conhece o seu discurso proferido aquando da entrega do Prémio Jerusalém ("O muro e o ovo"), percebe. Por outro lado, é bom não esquecer que Murakami se considera, no fundo, um optimista. Como ele diz, as suas personagens "acabam por encontrar uma solução para superar os seus problemas, mas têm de sofrer pelo caminho". 

Os leitores vivem com as personagens, daí a importância dos rituais que percorrem o nosso quotidiano. Entre gestos simples, como lavar as mãos e pentear os cabelos, ou descascar uma maçã, preparar um jantar ao som de Puccini enquanto uma pessoa espera que o paisagem em volta se revele porventura menos deformada. Acredito que o Tiago, do blogue Murakami PT, feche muitas vezes os olhos, olhe para o tecto e e deixe escapar um suspiro profundo pleno de sugestões e possibilidades, como acontece com o Tengo, na página 119 do "1Q84". "Sinto que ele consegue sintonizar de forma sublime o que corre dentro de nós", confessa o Tiago. Tengo, Aomame, Kafka, Hajime, Izumi, Toru, Kumiko e tantas outras, são personagens que têm nome japonês mas falam ao coração dos leitores jovens de todo o mundo. E, depois, este japonês apela à leitura. Conheço quem tenha saído de lá, de dentro dos seus romances, pronto para devorar Dickens e Dostoiévski, Tchéhov, Hammett, Shakespeare, Carver, só para citar meia dúzia. Sei de muito boa gente que começou a escrever por causa dele. 

Murakami abre o seu coração aos jovens e fala-lhes ao ouvido. Não admira que as raparigas espanholas que o receberam na Catalunha, quando ali foi receber um prémio, o quisessem beijar...



Haruki Murakami: poços, gatos, jazz e mulheres misteriosas
por Simão Miranda, publicado no P3 a 7 de Novembro de 2011.

Poços, gatos, jazz e mulheres misteriosas. Dito assim pode soar um pouco redutor, mas a verdade é que a prosa do autor japonês Haruki Murakami ronda muito em torno destes temas ambíguos. 

Muitas vezes literal mas, sobretudo metaforicamente, Murakami consegue chegar até nós através de longas narrativas sobre solidão, alienação e até crítica social sobre a geração actual do Japão, tão cheia de si mesma, de consumismo e de trabalho inconsequente. 

Longas narrativas como as longas maratonas que o próprio Murakami costuma fazer na sua vida real como forma de ter força para “abrir a porta”, a porta que lhe permite chegar até à Outra Sala onde tudo acontece. Claro que precisa sempre de voltar, e é aí que entra a vida rotineira e regrada que o próprio não trocaria por nada. 

À semelhança de um Salinger ou de um Kafka, Murakami vive uma vida controlada e nada boémia: acorda antes das cinco da manhã, trabalha durante cinco horas, corre de tarde, ouve música depois do jantar e deita-se às nove da noite.
 

Prefere estar só, a fazer algo que o complete, do que a falar com alguém e certamente esta faceta da sua vida reflecte-se nas suas personagens: solitárias, pensativas e por vezes apáticas, engolidas pela monumentalidade da grande máquina que é a sociedade em que vivem, daí o isolamento. Procuram o poço onde estão inatingíveis e seguras, desistem de procurar pelo gato que nunca irá reaparecer e deixam-se embrenhar na escuridão total até passarem para o outro lado. 

É compreensível o enorme sucesso de Murakami – especialmente entre os jovens – pois podem relacionar-se facilmente com as personagens retratadas. Talvez sem grandes esperanças, o que lhes resta é descerem ao metafórico poço e esperar que possam encontrar a porta para o outro lado.
 

Num registo bastante kafkiano (tudo é completamente "normal" no universo de Murakami), com um humor requintado e vastas referências musicais e literárias (um piscar de olho ao seu passado como dono de um clube de jazz), a prosa de Murakami é única no mundo, possui um género próprio (Realismo Mágico) e atingiu já o estatuto de fenómeno de culto.
 

No dia em que é publicado em Portugal o primeiro volume do seu novo romance "1Q84", a pergunta que se coloca é simples e paradoxalmente complexa: vamos novamente descer ao poço?



Haruki Murakami, o intérprete de uma geração no fundo do poço
por Andreia Azevedo Soares, publicado no P3 a 7 de Novembro de 2011

O mais recente romance de Haruki Murakami chega às livrarias portuguesas esta segunda-feira, dia 7 de Novembro. Chama-se “1Q84” e vai ser publicado pela Casa das Letras em três volumes. Eterno candidato ao Nobel da Literatura, Murakami (Quioto, 1949) conta com uma legião de fãs de diferentes países e idades. Os jovens, contudo, constituem um grupo especial nessa comunidade global de leitores.

Desde o sucesso editorial da saga Harry Potter que não se vê no mercado editorial tamanha expectativa para o lançamento de um livro. No fim de Outubro, livrarias norte-americanas decidiram ficar abertas até à meia-noite para conseguir atender os clientes ansiosos por ler “1Q84”. Mas quais são exactamente os elementos narrativos que levam milhões de jovens a devorar os livros densos (e, muitas vezes, extensos) do escritor japonês?

Murakami é considerado um guru para muitos jovens japoneses. Os romances do escritor japonês são lidos com paixão tanto pela rapariga de Santiago de Compostela como pelo rapaz de Nova Iorque. Mesmo vivendo realidades sócio-culturais distintas, Murakami “fala-lhes ao ouvido” e “toca-lhes na corda sensível”, explica a tradutora Maria João Lourenço, numa crónica enviada ao P3.

Maria João salienta o facto de Murakami explorar nas narrativas temas que, sendo inerentes à condição humana, parecem vibrar com uma urgência própria no universo juvenil. Estamos a falar da solidão e do sexo. De vidas anódinas e experiências limite. Da ternura e da violência latente. Da alienação social e da memória histórica que persiste num limbo. Temas com que se debate hoje uma geração que resiste a classificações fáceis. Não é por acaso que a obra do autor nipónico é apontada como inspiração para filmes como “Lost in Translation”, de Sofia Coppola, e “Babel”, de Alejandro González Iñárritu.

Murakami tem a capacidade de mesclar a banalidade do quotidiano com episódios surreais. Nos romances do autor, encontramos uma personagem a cozer esparguete mas também vemos enguias a cair do céu. Andreia Filipa Silva, de 22 anos, gosta dessa “comunhão” entre “a realidade e o fantástico”. “[Murakami] é capaz de dar a conhecer a realidade japonesa ao mesmo tempo que escreve com um misticismo e simbologia, que deixa o leitor viajar pelo mundo do subconsciente”, explica Andreia, que estuda Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia.

Opinião semelhante tem João Craveiro, de 27 anos. Este estudante de doutoramento conta que Murakami tem o condão de fazer “fantasia sem criar um mundo fantástico irreal à parte”.

“Os mundos fantásticos dele guardam muito em comum com o mundo real, e isso faz com que se consiga desfrutar a narrativa sem ser assoberbado com nomes de galáxias, espécies, e coisas do género (memorizar dois ou três nomes de cidades japonesas ainda é tolerável)”, nota João Craveiro num e-mail enviado ao P3.
Outro aspecto importante é o modo como Murakami incorpora referências musicais nos textos. Antes de se tornar autor de culto (e, já agora, corredor de maratonas), Murakami era dono de um clube de jazz. Simão Miranda, estudante de 22 anos, confessa que o que o “atraiu inicialmente foram as referências culturais”, sobretudo ao jazz.

Após a leitura de “After Dark” e “Crónica de um Pássaro de Corda”, Simão conseguiu ver que os temas ali abordados “são bastante complexos”. Há, por exemplo, a questão da alienação e da ansiedade à qual, como recorda numa crónica enviada a P3, uma geração inteira é sensível. Uma geração que desceu ao poço e “espera encontrar a porta para o outro lado”.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Uma leitura de Norwegian Wood...

Opinião do Tiago da equipa do blog MURAKAMI PT.

Parti para este livro com uma imagem de tal forma estereotipada que não fazia a mínima ideia do que ia encontrar nele. Frequentemente é dito que «Norwegian Wood» é o mais romântico dos livros de Haruki Murakami: a aproximar-se dos romances escritos para jovens com as hormonas aos saltos. O próprio Murakami afirmou que «Norwegian Wood» foi uma experiência isolada, a não tenciona voltar ao mesmo género. Por outro lado, a obra é o maior dos fenómenos de venda no Japão. E, um pouco por todo o mundo, são imensos os leitores que dizem que «Norwegian Wood» é o seu preferido. Com um começo algo estranho e anticlimático, como penso ser comum neste autor, debrucei-me sobre um mundo que pensava desconhecer.

Enganei-me. O Haruki Murakami pode dizer o que quiser. Esta não é uma tentativa isolada, e sim uma tentativa integrada entre os seus restantes livros. Não temos em «Norwegian Wood» uma mudança abrupta de estilo, nem de perto nem de longe. Temos a contínua voz deste contador de histórias. A começar em tudo, a acabar em tudo. Na personagem principal, igual a tantas outras de Murakami (talvez um pouco mais... jovem que o normal). Nas personagens secundárias que o rodeiam, mulheres com histórias tão diversas. No elementos western sempre presentes, músicas, livros, coca-colas. Nos tremendamente bem caracterizados momentos de solidão, e os de paz, e os de vida quotidiana que vai correndo sem que nada ocorra. Murakami retrata a vida de uma prespectiva melancólica.

Foi nesta obra que li um dos mais poderosos capítulos de Haruki Murakami, e isto depois de uns dez livros dele lidos. O capítulo 6 de «Norwegian Wood», este titânico capítulo 6, com 90 páginas (a contrastar com os restantes, que andam à volta das 20, 30 páginas). Um relato de um mundo completamente à parte, mas bem real. Neste preciso instante, há pessoas a viverem esta paz nas suas vidas, separadas de tudo o que nos parece essencial. A sensação com que fiquei quando acabei este capítulo ganhou à que me ocupou quando terminei o livro. Quando estas 90 páginas chegam ao seu término, ficamos com a sensação que está tudo dito, e chega até a nascer em nós um palpite de como aquilo tudo vai acabar. É assim mesmo em Murakami.

Nota negativa... Haruki Murakami excedeu-se com o erotismo desta vez. Principalmente na segunda metade da história. É de se revirar os olhos e suspirar de aborrecimento. Claro que, em tais doses, é propositada esta sensação que passa para o leitor. A personagem principal confronta-se com este mesmo problema: o excesso de sexo. O assunto é tratado de forma contínua, algo que está presente sempre com uma intensidade relativa. Acho que percebi onde o autor quis chegar, mas foi demais. A certa altura as cenas secavam por completo.

Notas positivas... quase tudo o resto! Não há muito mais que tenha a apontar como menos bom. A tradução de Alberto Gomes tem alguns elementos que me irritaram um pouco, como os «De verdade?» em vez de «A sério?», e o uso da 2ª pessoa do plural em algumas conversas entre amigos. Mas no geral o espírito de Haruki Murakami foi captado. Este autor tem um força incrível, é capaz de nos cravar dentro das histórias, e deixar-nos lá a marinar durante muito tempo. Não é o livro que entra na nossa vida, somos nós que entramos no livro. Isto é assustador, porque uma parte de nós fica lá, e continua a viver lá mesmo depois de termos acabado. Estou a falar usando o «nós», mas na verdade quero usar o «eu». Nem todos terão a mesma experiência. «Norwegian Wood» foi uma experiência de leitura triste, melancólica, Murakami ao seu nível - excelente.