quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

[Crónicas da Tradutora] - 1Q84

O MURAKAMI PT inicia a partir de hoje uma parceria regular com a tradutora portuguesa do autor Haruki Murakami - Maria João Lourenço - que puderam conhecer melhor a partir da entrevista exclusiva que publicámos no blog ao longo das últimas semanas. Pelo nosso lado, achámos a conversa tão interessante, ficou tanta coisa por dizer e divagar, que nos custava um pouco que este contacto tão produtivo com a tradutora se ficasse por aqui. Decidimos, pois, apresentar uma proposta à Maria João, que foi atendida com entusiasmo também pela sua parte: no primeiro dia de cada mês será publicada no blog uma crónica escrita pela tradutora, com o seu ponto de vista, sobre um determinado subtema englobado no grande tema que é Murakami. De uma coisa estamos certos: com a multiplicidade de obras e discussões existentes, dificilmente faltará assunto; e: a opinião e a presença de Maria João Lourenço, a tradutora das suas obras para a nossa língua, será uma mais valia a todos os leitores portugueses já agarrados pelas narrativas do japonês. As crónicas da tradutora começam já este mês de Dezembro de 2010, com uma crónica dedicada a «1Q84», o mais recente livro de Murakami publicado no Japão. Será traduzido para português durante os próximos meses, e sairá ao mesmo tempo cá que a tradução inglesa na América. Maria João Lourenço deixa-nos com uma boa prespectiva do que podemos esperar deste romance...
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1Q84. O primeiro capítulo do Livro 1 (Abril a Junho) tem nome de mulher. Aomame. Traduzido à letra,«ervilha verde» (Ao-mame), se querem mesmo saber os mais curiosos. «Se eu não tivesse vindo ao mundo com este nome», interrogava-se ela muitas vezes, «quem sabe?, talvez a minha vida tivesse conhecido um rumo diferente...». Não é caso para terem pena, que ainda a procissão vai no adro, e nós, leitores privilegiados e fiéis de Murakami, seguimos viagem num táxi na companhia desta ninja moderna, nascida em 1954, que identifica – aos primeiros acordes – a Sinfonietta de Janáček, difundida por uma estação de música de clássica. O cenário tem o seu quê de estranho, mas, acreditem, ainda viram muito pouco, e não vou sequer fazer a descrição do condutor do táxi, uma vez que no segundo capítulo, chegados à página 26 da edição alemã (belo exemplar da Dumont, verde sobre prata, com MURAKAMI estampado a toda a largura da lombada), travamos conhecimento com Tengo, personagem masculina.

Prende-se com o tempo, a primeira recordação do jovem. Lembra-se de ver a mãe a dar o peito a um homem, que não era o pai. Intuitivamente, soube que era ele que estava deitado no berço, bebé de meses. Pensa em si na terceirapesso. Já adulto, Tengo conta com um parceiro que trabalha no mundo editorial, de seu nome Komatsu,e que tenta convencê-lo a editar um romance escrito por outra pessoa (A Boneca Insuflável), com o qual poderia candidatar-se ao mais importante prémio literário japonês. São ambos jovens e um tanto inconscientes, percebe-se, apesar de terem consciência política e de terem tomado parte no movimento estudantil quando estudavam literatura na Universidade de Tóquio (protestaram contra os acordos de segurança entre o Japão e os Estados Unidos). Tal como acontecia em Kafka à Beira-Mar, também no romance 1Q84 encontramos uma estrutura paralela: a um capítulo centrado na figura de Aomame, sucede outro encabeçado por Tengo. A par da estrutura, o mundo paralelo é outra certeza. Se o 1984 de George Orwell é para aqui chamado, mais adiante se lerá.

Para começar, temos uma história de amor e morte, marcada pela violência, num mundo em que existem seitas religiosas, como aquela que marcou a história recente do Japão e que Murakami retratou em Underground – o Atentado de Tóquio e a Mentalidade Japonesa (Tinta-da-China) e, algures, o Povo Pequeno. Em última análise, um romance genuíno, com a assinatura de um escritor japonês que escreve sobre o seu país sem deixar de descrever a espécie humana. Mas estamos a adiantar-nos; mais vale esperar pela tradução inglesa a cargo de Jay Rubyn (ocupou-se dos dois primeiros livros) e Philip Gabriel (ficou com o Livro Três). O taxista que transporta Aomame, logo que o romance arranca, bem avisa: «Não se deixem enganar pelas aparências. A realidade é só uma.» Os leitores portugueses terão de esperar até meados do ano que vem para lerem a tradução. Pela minha parte, mal posso esperar para começar a traduzir.

Maria João Lourenço


1 comentário:

Anónimo disse...

Porquê a 1ª parte em Novembro 2011 a 2ª em Março 2012 e a 3ª sabe-se lá quando????
Não faz o mínimo sentido um intervalo tão grande. É mesmo uma situação de desrespeito pelos leitores.

Miguel Pereira