segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma leitura de 1Q84...


Opinião do Tiago do blog MURAKAMI PT. Fotografia do Tiago.

O primeiro capítulo desta obra é condição suficiente para o vínculo Murakami-Eu ser criado. E isto é de louvar. Primeiro, porque a minha experiência relativa aos livros deste autor japonês é a de começos pouco entusiasmantes, exceptuando um ou dois casos. O primeiro volume de 1Q84 tem início no interior de um táxi preso num congestionamento de trânsito. Toca na rádio a Sinfonietta, obra clássica de Leos Janacek. A mulher está com pressa, e não tem vontade de esperar horas naquela fila. E estão lançados os dados para aquela que é, provavelmente, a cena inicial mais épica de toda a carreira de Haruki Murakami enquanto romancista. O mérito de um excelente primeiro capítulo: no mínimo, já tem este prémio. 

 A obra intercala capítulos narrados pelas duas personagens principais: Aomame, e Tengo. Tenho uma opinião muito clara... na primeira fase do livro, os capítulos dela são muito mais fortes que o dele. O que não significa que as coisas não mudem de figura mais à frente. Sentia até um certo anti-clímax quando chegava a um capítulo de Tengo: "pronto, meia-hora sem Aomame". 

 Os cenários que Murakami cria são fabulosos porque nos levam para lá. A magia respira-se com facilidade. Destaco a cena da estufa das borboletas. Os diálogos entre as personagens são óptimos, fluem com uma consistência assustadora. E, de tão naturais são, que conseguem mexer com as nossas emoções, ao ponto de me fazerem rir tantas vezes. Esta é uma característica que me interessa muito em Murakami. O ambiente é de realismo fantástico, respira-se magia, mas magia sóbria: e, no entanto, consegue fazer-me rir tantas vezes. Destaco como exemplo o ensaio para a conferência de imprensa! 

 Depois desce às zonas mais profundas. A violência doméstica, por exemplo. As seitas religiosas e o mistério que criam à sua volta. Aventura-se pelos caminhos do que é realidade e do que é imaginação. É difícil fazer ver a minha opinião: com Murakami é particularmente difícil. A tradução é envolvente e torna a obra de leitura extremamente agradável: o trabalho conjunto de Maria João Lourenço e de Maria João da Rocha Afonso resulta numa harmonia digna de nota - uma harmonia murakamiana que já é tão típica para os leitores portugueses. 

 No entanto, e apesar de todos estes pontos positivos, e apesar de uma parte de mim ter ficado a morar naquele universo enquanto aguardo pelo lançamento do volume 2 para Março, e apesar daquele mundo ter tanta coisa interessante por contar, não foi uma experiência de imersão tão forte como já tive em alguns outros livros dele. Talvez por não se cravar de forma tão funda no universo das não-explicações. Talvez por abordar temáticas demasiado reais como a questão das seitas e da violência doméstica. Talvez pela insuficiente exploração do lado solitário das personagens... não sei, mas Aomame e Tengo não me conquistaram totalmente. Fico à espera do próximo com o entusiasmo em níveis altos, mas... mas... 

 É difícil falar de 1Q84 mas é fácil ler 1Q84. Somos levados a passear por uma Tóquio alternativa, viva, não tão vibrante como a de After Dark, mas ainda assim entusiasmante. Temos as cenas de ternura elevadas ao expoente máximo, como a leitura de Tchékov em voz alta. Temos as cenas de fazer crescer água na boca, como o jantar no restaurante de luxo. Temos personagens de todos os géneros e feitios, uma obra verdadeiramente diversificada neste aspecto! E uma linguagem que nos remete constantemente para imagens ilustrativas dos pensamentos das personagens... ficamos perturbados pelo comportamento de algumas delas. O mistério é outra das componentes, mas não gosto de associar essa palavra à obra do autor, parece-me sempre demasiado redutor. Duas personagens que passam para lá da linha do razoável e vão parar a não sabem onde, sem saírem do sítio. Já não estamos em 1984.


5 comentários:

Daniela Pires disse...

Pois, acho que há muitas explicações na narrativa, o que a deixa um tanto truncada, dificulta o fluxo. É "fácil" de ler, mas a impressão com o primeiro volume é de um constante anti-clímax. Nos primeiros capítulos, há aquele sentimento de construção de camadas da narrativa, que levarão ao seu centro. Mas há muita conversa, muita repetição de conversa. Estou esperando que melhore.
Abs,

Anónimo disse...

Estou lendo o livro em inglês, que contém os três volumes, e na minha opinião, desde 2666 não lia nada tão interessante quanto esse livro. É coisa nova, vale a pena ler!

Victor Almeida
http://www.wix.com/victordeltasantos/juntosnoparaiso

Orange Tree disse...

Acabei de ler ontem, ainda em 2011. Gostei muito e mal posso esperar pelo resto.

Anónimo disse...

Eu decepcionei-me... tinha grandes expectativas e soube a muito pouco. Muitas páginas e pouco sumo.
Continuou a achar de Crónica do Pássaro de Corda é o grande livro dele, seguido por Em Busca do Carneiro Selvagem e Norwegian Wood dos quais também gosto muito. Acho que o elogiadíssimo Kafka à beira-mar é praticamente um engodo e depois há outros +/- e uns bem fraquinhos... o Sputnick Meu Amor por exemplo é um livro meio para o àgua com açucar, enfim...
Para já 1Q84 é uma decepção, se continua assim esta divisão do livro em 3 vai-me soar apenas a monye, money. O livro tem coisas boas, claro, mas promete muito e nada confirma, é só promessas e muita palha, muito arrastamento.
Ricardo A.

Anónimo disse...


É dificil de explicar o que se sente ao ler Murakami.. pois por mais palavras que se digam, falas que se repitam, ele tem uma forma que nos leva a recriar todo um mundo-seja ele qual for.Após ter lido vários livros dele, e ter tido o previlegio de começar por uma das grandes obras dele(o Pássaro de Corda), posso dizer que ele é um mestre na escrita. Ser audaz na forma como torna o incrédulo cridível, a minuncia nos detalhes e , por fim, as semelhaças entre certas personagens ao longos das diversas histórias(...), não é para todos.
A estranheza ,como outros sentimentos, vem porque nos perdemos, porque questionamos.. porque colocamos um "mas" ou "se". Posso dizer que nos contos senti algo diferente que num romance,mas faz parte.
O peculiar, o estranho ou até mesmo " o banal", será que não e isso que nos faz querer ler?Para mim faz tudo parte de Murakami. Não me iria contentar com menos.