Foi no auditório principal da Casa da Literatura da Noruega que Haruki Murakami subiu ao palco na segunda-feira para uma palestra - foi misto de leitura e entrevista - perante 750 pessoas vindas de muitos lugares diferentes. Consta que estavam muitos japoneses na sala, para além dos um pouco óbvios noruegueses. Embora até ao momento nenhum jornal tenha feito qualquer registo formal do que por lá se passou, nem existam filmagens ou registos de áudio, a única fonte que temos para já é uma linha cronológica do Twitter, de pessoas que estavam presentes na sala no momento e iam actualizando o estado da mesma na rede social. O que iremos narrar aqui é pois um resumo das informações recolhidas por twitters que assistiram ao evento - obrigado a eles!
O presidente da Casa da Literatura, Aslak Sira Myhre, expôs o programa da noite: Haruki Murakami apresentar-se-ia, iria ler um excerto de uma obra sua (em japonês), um actor norueguês leria o mesmo excerto mas em norueguês, e depois decorreria a entrevista (em inglês) feita por Michael Schoeffling, actor americano.
Eram pois 20 horas e 12 minutos quando Haruki Murakami subiu ao palco. O autor começa logo por dizer, quase em tom descontraído, "Tenho estado por aqui [Noruega] nas últimas cinco semanas. No Japão trinta mil pessoas estão hospitalizadas com crises de calor. Por isso estou feliz por cá estar!". Continua: "Tenho estado numa aldeia aqui da Noruega com a minha mulher Yoko, e estou surpreendido com o elevado número de roulotes alemãs!". Embora a piada nos escape, talvez tenha feito sentido para as centenas de pessoas na sala, pois por esta altura é relatado que se ouviram muitas gargalhadas na audiência.
Segue com mais alguns relatos da sua estadia, até que faz um desvio na conversa e se põe a falar do início da sua carreira enquanto escritor, em 1981. Diz que nos primeiros anos, enquanto ainda geria o seu barr de jazz que fechava tarde, chegado a casa tinha apenas um par de horas para escrever. E que a situação se prolongou até ele perceber que se tinha tornado de facto um escritor. "O meu primeiro romance chamava-se Hear the Wind Sing. E depois desse escrevi um outro acerca de máquinas de pinball. Mas não estava satisfeito com eles, queria qualquer coisa mais...".
Por esta altura é nos dito - de vez em quando os autores dos tweets fazem comentários à parte - que o inglês de Murakami é divertido de se ouvir, embora não seja muito fluente.
É nesta altura que Haruki Murakami começa a ler o excerto de um texto que escreveu exactamente em 1981, um conto pertencente ao livro "A Rapariga que Inventou um Sonho", embora estas informações ainda nos deixem 4 hipóteses de contos possíveis. O actor norueguês traduziu depois a leitura para a "língua da casa".
Segue-se uma pausa de 15 minutos, na qual, por ausência de acontecimentos, as pessoas presentes voltam a dar mais algumas informações sobre o ambiente que se estava a viver na sala. Somos informados de que Haruki Murakami vai vestido com uma t-shirt vermelha, e por cima um casaco bege. Parece também que o número de japoneses era elevadíssimo, e que cada mulher presente na sala parecia saída de um livro do autor japonês.
Começa a entrevista logo com uma pergunta muito directa. Diz o entrevistador «Toda a gente me pergunta o que é que Murakami tem de especial... agora sou eu que lhe pergunto a si". Murakami responde simplesmente "Eu próprio não sei".
"O Murakami já foi traduzido em 46 línguas. É intimidado por estes números?"; tem a resposta descontraída: "Só em Espanha são traduzidos para 4 diferentes!". "Quando fui lá, estava numa livraria a autografar para mais de 1000 pessoas. E o livreiro disse-me para ir beijando as leitoras. E as mulheres são tão bonitas lá!".
Prosseguiu a conversa acerca da relação que tem com os leitores. Diz que é um problema quando lhe pedem autográfos enquanto ele corre.
O autor fala ainda do diferente impacto que os seus livros têm na Ásia e no mundo ocidental. "Tenho muitos leitores nos países asiáticos. A reacção aos livros é diferente. Escrevo coisas fantásticas nos meus livros, que são vistas de uma maneira na Ásia. Na Europa, por exemplo, as pessoas pensam que as minhas histórias sobrenaturais pertencem ao pós-modernismo ou coisas assim...".
O entrevistador coloca a pergunta de qual é o método de escrita do autor, e é talvez no decorrer da resposta que surgem umas das frases mais significativas da palestra. "Eu tenho o meu próprio processo de escrita. Eu tenho um plano, que é a minha maior preocupação: não ter plano algum. Escrevi Kafka á Beira-Mar, Crónica do Pássaro de Corda... e agora 1Q84, que é grande. Se é um conto, o processo é o mesmo. Não tenho planos. Não sei o que vai acontecer. Escrever é como ter um sonho. Acordo todas as manhãs às quatro da madrugada. Em sonhos nunca se sabe o que vai acontecer. E posso equiparar a um sonho tudo o que escrevo todas as manhã."
O entrevistador intervém. "Existe então um desejo secreto de ser como Thelonius Monk [famoso pianista de jazz]? O seu jeito de improvisar sempre em frente...?". "Sim, sim", responde Murakami, "eu não tinha qualquer espécie de treino quando comecei a escrever aos 29 anos. O que fazia era ouvir muita música. Porque o mais importante é o ritmo. Precisas de melodia, precisas de harmonia, mas o ritmo é importante. Se tens ritmo, se sentes a batida, então consegues escrever."
"Não há nada que possa ser chamada «escrita perfeita», é o começo do seu primeiro livro", diz o entrevistador. "Certo. Eu conheço e compreendo o sofrimento de correr e de escrever. Que se compreenda que escrever também pode ser doloroso. E o conceito de "runner's blues" (o sofrimento do corredor) vem do meu livro Auto-Retrato do Escritor Enquanto Corredor De Fundo."
Murakami diz que nunca sentiu a famosa sensação de bloqueio de autor, justificando desta forma: "Se eu não quero escrever, então não escrevo. Em vez disso, começo a traduzir... e quando me canso, volto a concentrar-me nas minhas próprias histórias". Parece-nos uma boa desculpa...
"Toda a gente espera ansiosamente pelo seu novo romance 1Q84, e que possa ser o seu melhor livro.", diz o entrevistador. Murakami começa então a falar da nova obra: "George Orwell escreveu acerca do futuro de 1984, em 1949, o ano em que eu nasci. Eu escrevi este livro o ano passado... por isso é sobre o passado. Escrever acerca do futuro é aborrecido... eu queria escrever acerca do passado próximo, fazendo uma re-criação. Eu tenho sempre a sensação de que este mundo não é bem real. Todos conhecemos as famosas imagens das duas torres do World Trade Center caírem por terra. Foi real - mas é como se tivesse sido feito a computador. Sem o 11 de Setembro, o mundo teria sido diferente. Mas de que maneira?..."
O entrevistador pergunta se Murakami se sente desconfortável a falar dos próprios livros. "Sim. Porque sinto que esse é o trabalho dos críticos, falarem acerca das obras.". É dito que aqui houve um certo momento de irritação do autor.
Depois de falarem mais um pouco acerca da estadia de Murakami na Noruega, chega a altura das perguntas feitas por leitores. Deixaram perguntas numa caixa à entrada, e as primeiras serão lidas e colocadas ao autor.
"Qual é a sua massa preferida?". O público ri-se com a resposta de Murakami: "Genovesa. Sou bom a fazer molho de tomate".
"Interessa-se por algum autor norueguês?", e Murakami responde: "Comprei um livro de Dag Solstad no aeroporto".
"Como cria personagens como o Homem Carneiro?", é respondido de forma sincera: "Não sei."
E a última pergunta é feita como que de forma filosófica: "Como acaba a história?". Murakami responde: "Qual das histórias? A maioria dos meus livros tem um final aberto. Quando uma história termina, eu apenas sei isso. Se calhar um ano ou dois depois eu sinto que não, aquela história ainda não estava acabada! Foi assim na Crónica do Pássaro de Corda. Escrevi um pequeno conto, e pareceu-me que o tinha acabado."
"E é assim que termina a nossa história", diz o entrevistador. Murakami agradece à plateia, e é desta forma que é encerrado o FestivalMurakami em Oslo, na Noruega. É possível que nos próximos dias surjam mais testemunhos acerca desta palestra, aos quais iremos estar atentos. Quanto ao resto dos eventos do festival, tencionamos também aqui fazer um breve resumo acerca de cada um deles. Para que os leitores portugueses se sintam quase como se estivessem estado na Casa da Literatura da Noruega. Esperamos ter tido esse efeito com algum leitor do blog...
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