sábado, 3 de julho de 2010

Como tudo começou...


«Consigo lembrar-me com precisão da data e da hora em que decidi ser escritor. Estávamos no dia 1 de Abril de 1978, por volta da uma e meia da tarde. Encontrava-me sozinho no estádio Meiji Jingu, a beber cerveja e a ver o jogo de basebol. Na época, vivia ali perto e podia ir a pé de minha casa para o estádio. Além disso, era fervoroso adepto dos Yakult Swallows. Estava um perfeito dia de Primavera, sem uma nuvem no céu, apenas com uma ligeira brisa a fazer-se sentir. No estádio, não existiam ainda bancadas nas tribunas do lado da equipa da casa, simplesmente um relvado com alguma inclinação. Eu encontrava-me estirado na relva, a beber tranquilamente a minha cerveijinha gelada, aproveitando para deitar de vez em quando uma espreitadela ao céu ao mesmo tempo que acompanhava preguiçosamente o desenrolar da jogatana. Como era costume nos jogos dos Swallows, não havia muita gente no estádio. Tratava-se do jogo de abertura da época e a equipa local defrontava em casa os Hiroshima Carp. Lembro-me de que era Yasuda quem estava a fazer um lançamento pelos Swallows. Por sinal, um lançador pequeno e atarracado, conhecido pelo efeito diabólico que costumava imprimir às suas bolas curvas. Graças a ele, a equipa de Hiroxima foi travada ainda no primeiro tempo do ataque, e a esquipa aguentou facilmente com o marcador a zero. No segundo tempo, o principal batedor dos Swallows, Dave Hilton, um jovem norte-americano recém-chegado à equipa, conseguiu um excelente lançamento ao longo da linha esquerda. O som do bastão de encontro à bola ressoou em cheio pelo estádio inteiro. Hilton, extremamente rápido, passou a primeira base e não teve qualquer dificuldade em acercar-se da segunda. Foi nesse exacto momento que um pensamento me atravessou o espírito: E que tal se eu escrevesse um romance? Ainda me recordo do céu, imenso e a perder de vista, do cheiro da erva tenra, do som daquele impacto perfeito. Foi como se qualquer coisa tivesse caído do céu naquele preciso instante, e, indepentemente do que fosse, eu a tivesse agarrado.»

em «Auto-Retrato do Escritor enquanto Corredor de Fundo», tradução de Maria João Lourenço, editado pela Casa das Letras.

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