domingo, 11 de julho de 2010

[Artigo] - A Arte de Seduzir com as Palavras

Traduzido pela equipa do MURAKAMI PT do espanhol.

11 de Julho de 2010 - «Ninguém quer saber dos nossos textos.

Num tempo em que o espaço virtual faz as vezes de um grande quadro negro sobre o qual se pode escrever e apagar infinitas vezes qualquer coisa que nos ocorra.

Não há interessados nos problemas secretos dos outros. Umas atrás das outras, as garrafas que contém mensagens suplicando atenção são lançadas ao mar da indiferença.

Por isso, surpreende de um modo muito especial quando, da névoa, surge um autor que convoca e produz - tal como avisara Rodrigo Fresán - autênticas inovações.

Abundam os escritores perante os quais nos inclinamos com respeito e admiração. Também aqueles que fazem parte da coluna vertebral da história da literatura universal são de igual forma por nos nós apreciados. Os que são moda, que vêm e vão. Os que pintam as cores de uma frágil cena.

Haruki Murakami atravessou todas estas categorias. Foi o escritor do momento, o artista distinto vindo do Oriente, o inexplicável criador, e agora começa a transformar-se num clássico.

Quais são os poderes secretos que se aglomeram em Murakami? Que elementos fizeram da sua literatura um porto, um ponto de apoio e um bar onde se encontram as almas anónimas sedentas de afecto e compreensão?

Murakami é um escritor de histórias de amor. No entanto, a sua literatura permanece a milhões de anos luz dos clichés da literatura cor-de-rosa.

Murakami é um escritor de ficção, embora as suas obras estejam despojadas de esoterismos baratos.

Murakami é um escritor nocturno e, não obstante, as suas palavras iluminam um território sombrio: a condição humana do habitante do mundo moderno.

Vida boémia e esforço físico (o autor é um confirmado corredor de maratonas). Paz e combustão. Busca e enigma. Costituem todas as variáveis de um dos escritores mais interessantes que surgiram no mundo nos últimos 20 anos.

Os argumentos e as reflexões subjacentes de Murakami não são complexos. Mas isso não significa que não alcancem altos graus de profundidade.

A vida é despida com veemência na obra do escritor, sob uma marca quase paternalista. Como se, tal como um pai perfeito, sabe quando avisar e quando elogiar o seu filho.

A sua vida pessoal tornou-se algo curiosa. Murakami foi proprietário de um bar de jazz em Tóquio. Ali "deixou a pele e os ossos" numa tentativa de fazer do seu espaço um negócio bem sucedido. Quando conseguiu atingir o seu propósito, decidiu deixá-lo para trás. Missão cumprida.

Um compromisso entre tantos que se auto-propôs ao longo dos anos. O seguinte foi viver exclusivamente das suas obras.

- Alguma vez sentiu saudades do seu bar? - perguntaram-lhe. E Murakami respondeu, de forma segura e austéra, como sempre: "Às vezes. Administrei-o durante sete anos. Mas odiava os clientes bêbados. Tinha de os enfrentar e correr com eles ao pontapé. E alguns músicos iam tocar ao fim de semana completamente drogados. Mas aprendi muito acerca do talento. Uma pessoa nasce com ou sem ele. É um facto. Por exemplo, só um em cada 10 barmans tem o talento para fazer um bom coctail. As pessoas costumam perguntar-me o que devem fazer para se tornarem escritores. Mas eu sei a resposta. Se não tens talento, é uma perda de tempo. Mas a vida é mais ou menos isso, uma perda de tempo. Por isso, eu não sei."

E quem sabe o seu "não sei", as suas "vidas prováveis" como barmans, as suas experiências que se igualam em certos exercícios emocionais ao comum dos mortais, convergem sobre um mesmo ponto até resultarem naquela sedução que emana dos seus romances. O princípio do vício por Murakami.

Nos últimos anos não deixou de ser para milhões de pessoas o autor que se recomenda com paixão, através da frase: "Tens que ler este livro".

Murakami é um dos poucos eleitos que nos fazem acreditar que uma frase bem escrita, uma história cheia de inteligência e criatividade, honestidade e sabedoria, pode mudar a nossa vida. Ou pelo menos impulsionar a transformção.

Os seus romances não se limitam a um tema em particular, mas abarcam muitos.

No final, quanto o argumento termina, o leitor começa a compreender que Murakami deu voltas numa sensível permissa: divagar acerca de qual é o sentido da vida. O que se esconde atrás do quotidiano e os acontecimentos excepcionais que acontecem às pessoas.

Nas suas histórias o amor prevalesse. Mas primeiro que o amor, está a amizade que se desencadeia como uma energia poderosa.

Também o inexplicável tem um lugar reservado. A viagem de iniciação. A magia implícita em determinados momentos: beijar uma mancha na pele, descer a um poço e reviver o nascimento e a morte, o recuo de uma aldeia junto às montanhas, ou um sótão para tocar rock.

O desejo, segundo Murakami, surge de lugares pouco comuns.

As suas personagens, das principais às secundárias, não desesperam e entregam-se ao correr do tempo, surfando sobre um mar às vezes calmo, às vezes coberto por ondas gigantescas.

Uma conversa às cinco da manhã pode servir para se descubrirem tesouros para levar-se na mochila. Serviria, inclusivé, para acender a paixão entre dois completos desconhecidos.

Cada livro seu promete um destino sem a necessidade de esclarecer qual será.

Os diálogos, as reflexões internas das personagens, são os pontos de contacto mais atractivos e provocadores para o leitor.

Como aventureiros em busca de uma riqueza os protagonistas embarcam deixando para trás a pressa e a estupidez. Não importa o que acontecer, ninguém rói as unhas.

Em certas ocasiões são confrontados com tremendas crueldades. Noutras, apenas são ouvientes do canto enigmático de um pássaro que "dá corda ao mundo".

Uma simples chamada telefónica, no universo de Murakami, é capaz de provocar um eclipse.

Numa dada ocasião, o escritor revelou que não tinha tomado consciência da sua fama até ter ouvido uma manhã, na rádio, uma menção ao seu nome: o locutor não fazia outra coisa que divulgar os nomes das pessoas célebres do mundo nesse dia.

De uma maneira similar as criações de Murakami jamais pecam com soberba. Aceitam a odisseia, e quando tudo passa, relaxam a beber uma cerveja, sem pensar em nada.»


Data: 11 de Julho, 01:28h de Espanha.
Fonte: Rio Negro
Em: http://www.rionegro.com.ar/diario/rn/nota.aspx?idart=412541&idcat=9523&tipo=2

1 comentário:

Ana C. Nunes disse...

Uma reflexão muito interessante, sem dúvida.